quarta-feira, 6 de junho de 2012

Iracema, de José de Alencar

Em Iracema (1865) José de Alencar, ou por ter atingido a maturidade nos temas indianistas, ou porque nessa obra não há a rigor nenhum compromisso com uma afirmação nacional pela literatura, atinge seu romance mais bem estruturado, sob o ponto de vista estético. Iracema é o exemplar mais perfeito de prosa poética de nossa ficção romântica, belíssimo exemplo do nacionalismo ufanista e indianista, com o qual Alencar contribuiu com a construção da literatura e da cultura brasileira.

No romance há um argumento histórico: a colonização do Ceará, que se deu em 1606. Nele há a presença de personagens históricos: Martim Soares Moreno, o colonizador português que se aliou aos índios Pitiguaras e Poti, Antônio Felipe Camarão. Através do romance entre Iracema e Martim, José de Alencar romantizou o processo de colonização do Ceará, simbolicamente representativo do processo de colonização do Brasil. Iracema apresenta uma espécie de conciliação entre o branco e o índio, na medida em que romantiza a dominação de um povo pelo outro. Desta forma insere nos códigos artísticos do Romantismo europeu a temática do processo de colonização do país. Com a obra se inaugura o mito heróico da pátria, de natureza indianista.

Portanto, o espaço da obra é o Estado do Ceará e o tempo é o início do século XVII.

O relacionamento amoroso entre Iracema e Martim pode ser interpretado, simbolicamente, como metáfora, como alegoria representativa do cruzamento das raças indígena e branca, ou seja, o nativo e o europeu colonizador. O desenvolvimento do enredo - ruptura de Iracema com o compromisso de virgem vestal e com sua tribo, sua entrega amorosa, seu abandono e sua morte, deixando o filho Moacir, "aquele que nasce da dor", - todos esses elementos da trama narrativa confirmam a possibilidade de leitura simbólica. A própria construção do personagem Iracema é feita a partir da natureza, de comparações com elementos da fauna e da flora americana , em geral brasileira e mais especificamente do Ceará.

A índia Iracema, que se entrega por amor a Martim, tem a função de simbolizar, no romance, a presença do elemento nacional, da cor local, existente na criação de seus traços físicos, que é feita por comparação com elementos da natureza. Embora psicologicamente Iracema se assemelhe às heroínas românticas européias, constitui, nessa fusão de elementos da cor local com elementos do romantismo europeu, um mito fundador da pátria. De acordo com o romantismo europeu, Iracema pode ser caracterizada como um exemplo de "mulher-anjo" - virgem, delicada, bela, capaz de se sacrificar pelo homem que ama, Martim. Essa característica de Iracema mostra que embora o narrador privilegie os seus sentimentos e pensamentos ao longo da história, idealizando o índio, que ela representa, o seu ponto de vista ao contar torna-se o do branco colonizador, na medida em que "europeiza" e "romantiza" Iracema.

Quanto à importância relativa das personagens, Alencar constrói uma obra inteiramente distinta de O Guarani (e também do posterior Ubirajara, que data de 1874). Em Iracema, a relação amorosa entre a jovem índia e o fidalgo português Martim domina toda a obra.

Não é difícil encontrar as fontes principais em que se inspirou Alencar: Iracema é, num certo sentido (não o da imitação, evidentemente), a transposição de Atala, de Chateaubriand, autor que Alencar confessou ter lido bastante. Temos, pois, o caso de uma composição homóloga, pois apresenta vários pontos em comum: o tema da felicidade primitiva dos selvagens, que começa a se corromper diante da primeira aproximação do civilizado; a idéia do bom selvagem; o amor de uma índia por um estrangeiro; a morte das duas heroínas, o exótico da paisagem; enfim, nas duas obras de um conflito fundamental representado pela oposição de índole dos dois mundos: o da velha civilização européia e o Novo Mundo da América.